No ginásio, na minha sexta série, quando eu estudava no Colégio Alfredo Bresser, em Pinheiros (São Paulo, Capital) eu tive um professor de Educação Moral e Cívica, chamado Prof. Gastão. Ele era alto, falante, um pouco histriônico e altamente reacionário. Não parecia. Todos riam em suas aulas, ele me tratava carinhosamente por “Emilinho” e, se a gente respondia atravessado a alguns de seus "bullyings”, ele respondia: - Meu querido, você não percebe que o meu bom humor me obriga a brincar com você? E nos desmontava.
Me lembro que em uma de nossas primeiras aulas ele falou de Robinson Crusoé, para ilustrar que nenhum homem é uma ilha. Na mesma hora eu lembrei, e levantei a mão:
- Professor, tenho uma revista que conta a história do homem que inspirou esse livro.
- Que maravilha, Emilinho! Você poderia trazer pra gente ver, na próxima aula?
- Claro! Respondi, todo orgulhoso, por ter alguma coisa exclusiva, que poderia contribuir com nossa aula.
Ao chegar em casa, a primeira coisa que fiz foi colocar o “gibi” na minha mochila, para não esquecer. Exatamente! O gibi! A revista que eu tinha era um Gibi, editado pela Bloch editores, com super heróis da Marvel. Não me lembro ao certo qual era o herói titular da revista (poderia ser o Capitão América ou o Homem Aranha), mas me lembro que, no final destas revistas, eles publicavam (talvez para preencher espaço, tornando a revista mais volumosa e atraente, ou até mesmo para educar os leitores com algo mais instrutivo do que histórias de super heróis) adaptações para os quadrinhos de fatos históricos, ou de episódios inspirados na vida de grandes personagens da cultura mundial. Me lembro de uma história sobre o pintor Giotto di Bondone, e da história de um marinheiro escocês, chamado Alexander Selkirk, que brigou no navio e foi abandonado em uma ilha do Pacífico, onde viveu por quatro anos, em companhia de uma macaca, que ele domesticou, até ser resgatado. Sua história foi adaptada para os quadrinhos e publicada neste gibi. No final da história, havia uma nota que dizia que Daniel Defoe se inspirou em sua história para escrever seu célebre romance, Robinson Crusoé.
Na aula seguinte, ao entregar a revista ao meu professor, uma surpresa:
- Mas, o que é isto?
- A revista de que falei.
- O senhor está tentando zombar de minha aula?
- Não, professor, olhe aí dentro que o senhor vai ver…
- Vá agora para a diretoria.
- Mas, abra a revista, e…
- Nem mais uma palavra. Como o senhor ousa zombar da minha aula, me trazendo um lixo destes?
- Mas, professor…
- Já para a diretoria!
E lá fui eu para a Diretoria, sob os risos e zombarias de toda a sala. Ainda tinha a esperança de que ele ao menos folheasse a revista e descobrisse a minha história. Quem sabe ele percebesse em tempo, e até se retratasse. Mas, isso nunca aconteceu. Ele não me devolveu meu gibi, não tocou mais no assunto, e o caso foi arquivado nos fichários da minha memória, como uma das grandes injustiças que sofri.
Anos depois, na faculdade, quando tive uma das primeiras aulas de Semiótica, com o Professor Araújo (não lembro o primeiro nome dele, só o chamávamos por Araújo), ele analisou uma história em quadrinhos do Monstro do Pântano, escrita pelo célebre Alan Moore. Analisou o roteiro, a linguagem gráfica, as cores, os signos (ícones) presentes para provocar no leitor uma sensação estética. Enfim, deu sentido a toda a iconografia existente na obra.
Me senti motivado a confessar que, desde a mais tenra idade sempre fui um leitor assíduo dos quadrinhos. E contei o episódio com o professor Gastão, para ilustrar o preconceito com o gênero.
O Professor Araújo, indignado, sentenciou: - Mas, este homem era um troglodita! Como pode, um educador, inibir desta maneira uma iniciativa juvenil? Será que ele não sabia que desde o década de oitenta, os quadrinhos já são considerados como a 9a arte?
Saí da aula com a alma lavada, me sentindo um vanguardista. Senti até uma certa compaixão pelo professor Gastão. Nos anos setenta os quadrinhos eram considerados subcultura. Sua intenção talvez fosse boa: - Onde já se viu, eu tento ensinar a eles sobre literatura, estimulando-os a lerem Robinson Crusoé, e aquele energúmeno me aparece com uma revistinha do Homem aranha!
No final, me questionei, qual seria o seu legado? O que lembro sobre ele? Há algo a acrescentar? Nenhuma foto para recordar! Muito pouco!
Algumas imagens e informações soltas foram surgindo. Sua figura era marcante: alto, grisalho, bigode farto, cabelos penteados para trás (quase engomados). Seu estilo de falar era formal e a articulação, às vezes, carregada. Mas, como já disse, havia um certo histrionismo em sua forma de dar aulas que nos provocava riso. Eu costumava imitá-lo para meus colegas com a frase: “Você fica quieto, aí!” Me lembro que todos os colegas, principalmente as meninas, riam muito quando eu esbugalhava os olhos, esticava o pescoço, e balançava a cabela pateticamente, ao dizer a frase. Era advogado! Namorava uma morena alta e muito bonita (todos os colegas, adolescentes, comentavam que ela deveria ser modelo). A segunda imagem mais marcante dele, comigo, foi nos corredores da escola, no penúltimo ano do ginásio, quando meu irmão faleceu. Todos os professores vieram me consolar carinhosamente, cada qual a seu modo. Quando encontrei com o Professor Gastão, imaginei ele me falando carinhosamente, como algumas vezes o fez em aula, para nos desmontar. Mas, seu discurso foi um voto de pêsames formal e contido. Talvez estivesse tentando segurar a emoção, para não demonstrar qualquer fraqueza. Não sei! Algumas pessoas simplesmente não conseguem demonstrar suas emoções. O personagem que o professor Gastão criou, talvez fosse assim.
Mas, alguma coisa dele vive em mim, com certeza. Nem que seja para eu colocar em algum dos meus personagens, no dia em que tiver que dizer, em alto e bom tom: "Você fica quieto, aí!”
Oi, Emílio, achei o seu post por acaso. Eu estudei no Alfredo Bresser e tive aulas com o professor Gastão lá por 1982. É engraçado como você se lembra bem dele, mas não citou algumas coisas que, para mim, eram muito marcantes. Como o fato de ele chamar todo mundo múmia paralítica. Ou o fato de conhecer as linhagens de irmãos inteiras, com nome e sobrenome, tipo, no primeiro dia de aula, ele leu meu nome inteiro em voz alta e complementou: irmã do Sr Victor JUNIOR, aquela MÚMIA PARALÍTICA!. Ou o fato de que todo mundo que teve aula com ele só aprendeu o que eram vícios e virtudes, aliás, quais eram os vícios e virtudes, que a gente tinha que colocar o título em vermelho, pular duas linhas e escrever o resto em azul... e ai de nós se não fosse azul, porque ele simplesmente dava vistos nos cadernos dos estudantes da 6ª série... se fosse letra feia, se tivesse rasura, se não seguisse o padrão... tinha que fazer tudo de novo! ;)
ResponderExcluirEu tambem, tive aulas com Gastão , um professor autivo, que Gostava de ter sempre o controle da Situação , tinha o péssimo costume de dar provas surpresa ... Ele me chamava de Gonçalez . Bons tempos
ResponderExcluirMeu nome é JOSAFÁ, também estudei a 6/7 e 8 série em 1979/1980 professor Gastão gostava de chamar os alunos com nome de alguém famoso Tipo JOSAFÁ marinho, Ize se Bruges etc. Muita saudades daqueles tempos
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