sexta-feira, 29 de maio de 2015

Brasas adormecidas



“De vez em quando uma lembrança vem, e nos pega desprevenidos. E, quando vem acompanhada de uma revelação, nos deixa mais surpresos do que curiosos.
Uma lembrança é como uma brasa que ainda arde em silêncio. Vez por outra jogamos água sobre ela; mas, logo em seguida, vem o coração e espera ela secar, para atear-lhe fogo, novamente.”

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Vergonha de ser índio


Estou trabalhando em um projeto que resolvi desengavetar. Trata de identidade cultural, de entendemos nossas origens... 
Ando pesquisando um bocado e lendo sobre tudo que encontro. E, rebuscando no Baú de minhas memórias, lembrei de um documentário da TV Record há décadas atrás. Acho que a emissora ainda não era do Bispo Edir Macedo, porque o assunto tratado certamente não seria de seu interesse. Falava do alto índice de suicídio entre os índios, e muitos eram alcóolatras. Estavam em uma completa situação de abandono pelos poderes públicos. O avanço dos católicos e, principalmente, dos evangélicos, em suas comunidades estava causando um estrago considerável em sua cultura. Em determinado momento, um índio entrevistado falou a respeito: 

- Eles aparecem aqui falando de um Deus diferente dos nossos, nos mostram um outro mundo e nos deixam envergonhados de sermos quem somos. Aí a gente fica de um jeito que não dá para entender. A gente quer aceitar esse Deus, mas a nossa alma não consegue. E aí a gente fica sem poder ser índio, e sem conseguir ser como eles. Antes era tudo mais simples. A gente adorava a lua, o sol... a natureza. Tudo estava certo. Agora, a gente não consegue mais se achar em lugar nenhum.

A cena seguinte, foi muito triste, e até hoje eu penso em quem teve a sensibilidade, e o sangue frio, de gravá-la. E editá-la tão bem. Era uma cena doída, contundente, mas necessária. Mostrava um índio, bêbado, saindo de um boteco de beira de estrada. O cameraman foi seguindo-o, de longe, registrando tudo. A estrada era de terra, iluminada por uma lua cheia, que prateava todo o cenário. E o índio, trôpego, em determinado momento parou, e olhou para cima, como que querendo respirar. Mas, logo em seguida, abaixou a cabeça, como que envergonhado, e um gemido, quase mudo, saiu de seu íntimo. E ele seguiu, pela estrada, envergonhado, desonrado, despido de tudo o que mais prezava. Envergonhado da sua sagrada lua, envergonhado por ser índio.

Certa vez um professor me disse: - A gente pode até pensar que não tem nada a ver com as questões indígenas, com os problemas destes povos que vivem abandonados nas aldeias. Mas, aqui no conforto de nossas salas, diante da televisão, a gente vai ser afetado, de alguma forma. Mesmo que não sejamos afetados diretamente, não ganharemos nada com essa alienação toda. Alguma coisa muito preciosa está se perdendo, e nós não vamos saber o que é, até ser tarde demais. Nós sempre olhamos para o índio pensando no que ele não tem. Mas, nós nunca paramos para nos perguntar no que eles podem ter, e que não conseguimos (com toda a nossa arrogância de homens brancos) perceber.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Amanhecer

Busquei por todos os cantos
um canto sobre a manhã
uma ode ao amanhecer
que dignificasse um sonoro bom dia
nada encontrei


E, pela janela eu vi
o sol nascendo silencioso
belo, deslumbrante, poderoso
e entendi


No canto do mundo
estava o poema
Na luz da manhã, estava o verso
e, no silêncio profundo
revelação

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Um ato de desamor


Amigos fumantes, a imagem anexa não é nenhum patrulhamento ideológico. Respeito o direito de escolha de cada um. Mas, é que me lembrei de uma ocasião, em que participei de um ritual Zen Budista, na casa de uma amiga. Após a cerimônia, a maioria dos presentes saiu para fumar, na sacada. Ficaram poucas pessoas na sala. Não sei por qual razão, o mestre que estava lá se aproximou de mim e desabafou, baixinho:

"Eles esperam tanto de mim, mas tão pouco deles. Acham que uma coisa está separada da outra. Minha força, aqui, é unútil! E eu só posso aconselhar, com a paciência de meu espírito, e a fragilidade de um velho. Talvez, em algum momento, eles entendam que cada cigarro que se acende, é um ato de desamor!" 

Nunca esqueci disso.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Os ecos de mim


Eu vi coisas que vocês, normais, não acreditariam
Vi a linha que separa a coxia, do palco
e tremi ao cruzá-la pela primeira vez
Vi o foco de luz do refletor,
que me cegou, para me mostrar um outro mundo

Povoado de poetas, sonhadores, alucinados
e inocentes
De rainhas loucas, poderosas
e esquecidas

Eu estive em cada canto
deste mundo estranho
em mares, espaçonaves,
montanhas escuras e auroras boreais

Eu vi a plateia, lotada de rostos
respirando ansiosos, para conhecer
o que tinha a lhes mostrar
E vi a plateia, vazia
com os ecos das noites de ontens

Trago, dentro de mim, o eco de muitas gargalhadas
E choros, sufocados em silêncio, diante das tristes cenas
que um dia eu vivi, só de brincadeira
trapaceando com as emoções

Todos esses momentos
ficarão gravados, em minha alma
Esquecidos por vocês
Mas, levados comigo
por toda a eternidade

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Gorgulho de ser eu mesmo



Essa história de se parecer com alguém às vezes surge em nossa vida de maneira engraçada. Não é raro nos dizerem coisas do tipo “Você me lembra alguém, mas eu não sei bem quem é”; e aí fica a dúvida, que até vira assunto para um bate papo (ou uma cantada barata).
No meu caso, as pessoas já sabem quem eu lembro, isso quando não me confundem com a pessoa.
Na época do Ginásio eu tinha o mesmo lay out que um amigo, o Marco Antonio Pinto. Hoje a gente não se parece em nada, mas na nossa adolescência, nos vestíamos de maneira parecida e tinhamos o mesmo corte de cabelo. Isso não era intencional, mas aconteceu assim. E, eu me meti em várias encrencas por causa disso. Ele era muito namorador e eu, tímido, gastava minhas energias treinando Karatê. O resultado disso é que acabei arrumando pelo menos umas três brigas por causa dele. Os caras me abordavam pensando que eu era ele. Vinham tomar satisfação porque ele havia roubado a namorada de algum, e eu tinha que responder pelo crime. A sorte é que eu sabia me defender e me virava como podia, pois os chifrudos nunca vinham sozinhos. Só descobri o mistério tempos depois, quando nos encontramos em uma mesma festa, e a maioria das pessoas percebeu quem era quem. O pau parou de comer para o meu lado, mas o Marcos continuou comendo, e tendo que arcar com as consequências.
Ontem, ao assistir na TV à “Dona Flor e seus dois maridos”, veio o comentário: - Nossa, o Nanini está a sua cara, neste personagem!
Já me disseram que eu lembro o Nanini em algumas ocasiões, mas eu não vejo nada de parecido.
Em outras, quando estou de terno, e cabelo curto, me dizem que eu lembro o Celso Russomano. Aí eu me ofendo, pois não me identifico nem um pouco com o “menino malufinho”.
Mas, me saio destas questões com o seguinte argumento: - Gente, eu sou um ator, me pareço com qualquer pessoa, basta estar bem caracterizado!
Mas, existe um que foi, por algum tempo, unanimidade: o ator Paulo Gorgulho. Me compararam com ele durante muito tempo e até as namoradas diziam: - Mas, não tem diferença, você realmente lembra muito ele!
Em 1990, na época em que a novela Pantanal estava no ar, na extinta TV Manchete, aconteceu um fato muito engraçado. O Gorgulho estava fazendo muito sucesso com o Personagem Zé Lucas do Nada, e eu estava em cartaz com o espetáculo Rumo a Damaskus, no Centro Cultural São Paulo.
Eu interpretava um mendigo que falava latim e aparecia nos momentos mais inusitados, quebrando o clima tenso e gerando alguma empatia na plateia; e usava barba. No dia que o espetáculo encerrou a temporada, a primeira coisa que fiz foi me barbear.
Na manhã seguinte, encontrei um amigo que também estava no elenco – Roberto de Melo Junior – e ficou incumbido, junto comigo, de acompanhar a desmontagem do cenário. Nos encontramos bem cedo e, enquanto descíamos as escadas do Centro Cultural, fomos abordados por uma atriz que estava ensaiando em uma das salas:
- Você trabalha no Rumo a Damaskus, e faz o papel do Mendigo?
- Sim!
- Qual é o teu nome?
- Emilio. Emilio Gahma!
- Gostei muito do teu trabalho, Emilio! Tchau!
- Reconhecido, hein! Comentou o Beto.
- E, sem barba! Completei.
Meu ego chegou nos píncaros. Mal o dia começou, e eu me sentia alguém.
Terminamos a desmontagem do cenário e me despedi do Beto. Ele acompanhou o caminhão até o depósito e eu fui em direção à estação estação de Metrô Vergueiro. No caminho, fui abordado por uma senhora:
- O senhor poderia me dar o seu autógrafo?
- A senhora também assistiu ao Rumo a Damaskus. Disse eu, todo orgulhoso, não cabendo em mim de contente.
- Não, meu filho! Eu te assisti na novela Pantanal!
Meu mundo caiu!

terça-feira, 12 de maio de 2015

Lições de um Tigre Latino



Hoje acordei pensando no meu amigo Juan Carlos, que não vejo há alguns anos. Nos conhecemos em 1997, quando eu trabalhava em uma empresa concorrente da qual ele era sócio, aqui no Brasil. Juan Carlos mora na Argentina, mas naquela época, por conta das animadas oportunidades oferecidas pelo Mercosul, montou uma filial de sua empresa aqui no Brasil, com um sócio mais novo.
Em 1997, saí da concorrente e fui, imediatamente, contratado por sua empresa. Demorei alguns meses para fechar minha primeira venda, e ele (com seu sócio) teve toda a paciência do mundo comigo, porque sua intuição lhe dizia que eu era bom. Quando apresentei o meu primeiro resultado, destravei e comecei a vender como louco. Mas, até isso acontecer, amarguei alguns meses sem fechar uma só venda. Analisando a coisa com algum distanciamento, hoje, acho que isso aconteceu porque percebi que a empresa estava bem na parte das vendas, que eram todas realizadas por seu sócio (um sujeito jovem e determinado); mas haviam algumas arestas que precisavam ser aparadas, para que o negócio fluísse de forma mais harmônica. Foi então que comecei a dar suporte para meu novo patrão - organizando nosso banco de dados, fazendo lay out do catálogo de produtos, enquanto não contratávamos um design, montando o site da empresa, desenvolvendo novos fornecedores, organizando nossa tabela de preços – enquanto estudava melhor o mercado em que a empresa atuava, para conseguir fechar alguma venda. Neste período, quando Juan Carlos vinha ao Brasil esporadicamente, costumava conversar comigo e me aconselhar. Lembro de alguns de seus conselhos até hoje, e de alguns conceitos ditos por ele (em bom “portunhol”):
  •   Sobre sorte – Existem pessoas que, por alguma razão, são sortudas. Outras que são azaradas, por melhores caráteres que sejam. Temos que ficar sempre atentos a isso. Não podemos ter azarados trabalhando conosco! 
        OBS: Ele me disse isso quando bati o carro da empresa, pela segunda 
        vez. Nunca mais bati o carro da empresa depois deste conselho (rs).
  • Sobre economia - Cuide das moedas que os reais se cuidam sozinhos!
  • Sobre resultados – Se eu percebo que você entra em campo, joga com raça, se esfola todo, suja a camisa e luta como um guerreiro, mas não faz gols, vou questionar se você é realmente importante para o time. Por mais que você seja leal e dedicado, isso não serve para nada se você não consegue obter resultados com essas qualidades. No trabalho, o resultado é sempre o que realmente conta.

domingo, 10 de maio de 2015

Memórias de um Monge Guerreiro

“Nasci durante uma guerra, exatamente em um campo de batalha. Minha mãe gritava de dor em meio aos bombardeios, tiros e gritos de homens enfurecidos, amedrontados e apressados.
Alguns homens, enquanto lutavam, a percebiam parindo, ali mesmo, no meio do nada. Mas não tinham tempo para se importar com mais nada, a não ser salvar suas vidas.
E assim, eu nasci. Meu primeiro choro foi abafado pelos tiros dos canhões. Posso dizer, sem nenhum orgulho, que sou filho da guerra.
Quando o conflito cessou, eu já estava crescido, de pé sobre uma colina, contemplando um campo que fora banhado com o sangue de muitos, e que a terra tratou de beber, e transformar em relva abundante.
Mais tarde me deram uma espada, para que tratasse de me defender, da melhor maneira que pudesse.
Foi então que aprendi a farejar a guerra em seus menores ruídos e movimentos; que aprendi a manter minha espada sempre na bainha, sem esforço, sem luta, sem dor.
A guerra me criou assim: próspero, alegre e misericordioso. Me mostrou o som que há no coração dos homens, para que eu pudesse escutar o meu próprio.
E a guerra me ensinou a harmonia que existe, entre a tempestade e a calmaria.”

Crônica de Guerra, do meu Espetáculo Teatral " Arte da Guerra"

Dia das mães

Beber a água, mas nunca esquecer da fonte!
Honrar os ancestrais!
Agradecer, sempre! Agradecer!
Agradecer à Deus, pela mãe que eu ganhei de presente.
Agradecer a ela, por ter me gerado com tanto amor.
Agradecer!
O dia é dela, mas eu sou o agraciado.
Gratidão!

O Monge e o Cervo



Um monge recebeu de seu mestre a determinação de ir até um dos pólos da terra para fazer um intenso trabalho de meditação.
- Você terá que ficar dois meses por lá. O frio é intenso e sua disciplina e autocontrole serão testados no limite. Leve todo o mantimento de que precisar. Mas, terá também que abandonar temporariamente sua dieta vegetariana. Aconselho-o a levar carne de carneiro, que é muito forte e lhe dará os nutrientes necessários para manter sua energia, e auxiliá-lo em seu treinamento.
O monge se preparou para a tarefa. Na véspera de sua partida, foi à cidade comprar carne de carneiro. Foi ao único frigorífico que havia na cidade. Não havia carne de carneiro:
- Tivemos muitas festas neste mês e toda a carne de carneiro foi servida nas comemorações. Temos outras carnes. Respondeu-lhe o açougueiro.
- Preciso de carne de carneiro, outra não servirá.
Ao voltar ao mosteiro, encontrou seu mestre com um arco e flecha nas mãos:
- Já que não encontrou carne de carneiro, terá que levar carne de cervo, que também pode servir ao seu propósito. Vá à floresta caçar!
- Quer dizer que, além de abandonar a minha dieta vegetariana, agora terei que matar?
- E qual é a diferença? A mão que mata o carneiro é igual à sua, ao matar o cervo. Vá caçar! Respondeu-lhe o mestre.
E o monge seguiu rumo à floresta. Próximo a uma clareira, encontrou muitos cervos, pastando. Armou seu arco e apontou na direção do mais forte e robusto. Foram longos segundos, até que a flecha tomasse seu caminho. Neste tempo lembrou-se de seus votos de compaixão, de suas renúncias e de seu profundo respeito por cada ser vivo. Errou! O grupo assustou-se e fugiu. Só um cervo ficou. Tranqüilo, caminhou em direção ao monge. Ao encontrá-lo, curvou sua cabeça perante o asceta.
- Por que não fugiu com os outros cervos, não percebe que irei matá-lo?
- Percebo, mas não o fará! Seu espírito está tão aprisionado em seus votos, que se me matar estará se condenando à danação eterna. Desta forma, eu entrego minha vida em suas mãos, e escolho o sacrifício, para que possa continuar sua evolução espiritual. Não sofra por mim, porque eu não sofrerei por você. Dou a minha vida com alegria para que possa nascer mais um santo sobre a terra.
O monge entendeu, naquele instante, o propósito de tudo. Armou-se de uma força descomunal e, com um único golpe, acertou a nuca do animal, matando-o. Gastou o resto do dia cortando sua carne e extraindo cada parte de seu corpo para serem aproveitadas ao máximo. Nada foi desperdiçado. O que não pode aproveitar, tratou de enterrar. A terra cuidaria de dar-lhes o destino apropriado. Então partiu, rumo à sua missão. Seu coração estava em paz, a ordem e o caos dançaram em harmonia, e o espírito do cervo voltou à fonte.
A elevação não está na ação ou na intenção, mas no desígnio único que habita em cada alma.

Extraído do livro "Crônicas dos espíritos da Terra" (de Emilio Gahma)